Seria mais uma apresentação da 9ª edição do Atlas Geográfico Escolar se o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não apresentasse o Brasil, literalmente, no centro das atenções do mundo. Após oito atlas lançados, o primeiro foi em 2002, é a primeira vez que a cartografia brasileira posiciona o Brasil no centro do mundo em seus mapas. A cerimonia de apresentação e lançamento do atlas ocorreu (estrategicamente?) na Casa do G20, no Rio de Janeiro, no último dia 09.
Na sua representação mais clássica, o Brasil costumava aparecer do lado esquerdo do mapa e a Europa ao centro. Os mapas tradicionais costumam usar o meridiano de Greenwich que, por convenção, divide o globo terrestre em ocidente e oriente. Além da novidade do Brasil no “centro do mundo”, o atlas oferece diversas opções sobre o território brasileiro e de mais de 180 países. O mapa está disponível na versão digital e impressa da publicação e pode ser adquirida na loja do IBGE.
“A nova edição, além de atualizada em seu volume impresso, possui uma versão digital, com inovações na forma de apresentação das informações e como diferencial contém mapas com o Brasil no centro do mundo. O mapa-múndi, elaborado pelo IBGE, tem a marcação dos países que compõem o G20 e dos que possuem representação diplomática brasileira, além de algumas informações básicas sobre o Brasil, como população e área, entre outros dados”, informou o presidente do IBGE Márcio Pochmann.
EUROPA CENTRALIZADA E CENTRADA
O apego à razão pelos estudos e análises das sociedades, como métodos de governança democrática no Ocidente, foram essenciais para a organização hierárquica dos poderes que até hoje equilibram e preservam a ordem dos países.
O “Velho Mundo” vivenciou movimentos de absoluta relevância para o mundo, como a Revolução Científica, onde a matemática, a física e a química puderam, através de cientistas fabulosos como Isaac Newton, revelar descobertas inimagináveis à época e que até hoje têm influência em matrizes mais evoluídas. As mudanças nos processos de produção, economia e sociedade que a Revolução Industrial implementou transformando sociedades agrárias em industrializadas e urbanizadas, em pleno século XVIII.
A Europa também foi pioneira na formação de blocos econômicos, como a União Europeia, que tem desempenhado um papel importante na promoção do comércio, da estabilidade política e da cooperação entre nações europeias ou de parcerias com outros blocos econômicos.
O Renascimento, surgido na Itália no século XIV e o Iluminismo, ou o “Século das Luzes”, iniciado na França no século XVIII, apesar do intervalo temporal, geraram à época uma profunda mudança de pensamento sobre questões políticas, culturais, filosóficas, econômicas e principalmente cientificas. A consolidação da liberdade de expressão e de informação (invenção da imprensa) também foram fatores fundamentais para que a Europa afastasse o jugo extremista e desumano da ditadura eclesiástica formada pela Inquisição.
A EUROPA DESCENTRALIZADA E NÃO CENTRADA
Por outro lado, do século XV até o XVI, e é importante destacar, durante o Renascimento, iniciaram as Grandes Navegações. Também conhecidas como a Era dos Descobrimentos (que o diga o Brasil), Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda foram os que mais se destacaram com as explorações marítimas, principalmente o reinado de Portugal, que se expandiu tanto territorial quanto economicamente.
Ceuta, hoje território espanhol, foi a primeira descoberta da Coroa Portuguesa, em 1415, tornando o Infante Dom Henrique, chamado de “O Navegador”, à época reconhecido como um hábil estudioso dos instrumentos marítimos, como o pioneiro das rotas do mar do reinado português. Desde então, a Coroa Portuguesa sequenciou sua expansão territorial e principalmente econômica.
Por um século, os portugueses navegaram, descobriram novas terras, definiram rotas, invadiram e exploraram riquezas alheias e iniciaram um processo de colonização impositiva e perigosa à vida dos nativos das terras onde aportavam, como os indígenas no Brasil. Na África, iniciaram um processo de escravização que perdura até os tempos atuais em forma de racismo estrutural. A rota marítima para as Índias, com Vasco da Gama em 1498 e, dois anos depois, em 1500, com Pedro Álvares Cabral chegando onde hoje é Porto Seguro, na Bahia, para descobrir o Brasil, entre incontáveis viagens, são as que possuem mais destaque.
Já as esquadras espanholas também navegaram por inúmeras milhas náuticas até descobrir o “Novo Mundo”, oito anos antes de Pedro Álvares Cabral ter descoberto o Brasil. O genovês Cristóvão Colombo, com patrocínio e permissão dos “reis católicos” Fernando II de Aragão e Dona Isabel de Castela, avistou terras que hoje pertencem às Bahamas, em 1492. A América, portanto, estava sendo descoberta pelo navegador, dando seguimento às colonizações europeias pelo globo. No ano seguinte, chegou aonde hoje é a Ilha de Guadalupe, Porto Rico e Jamaica; e em 1498, Colombo aportou na costa da Venezuela, mas quem explorou as terras, de fato, foi o navegador espanhol Alonso de Ojeda.
BRASIL REIVENTANDO-SE
A representação do país no centro do mapa-múndi não significa um “brasilcentrismo”, mas sim ressalta o espaço que o país vem conquistando na agenda internacional, com mais relevância e influência a partir de pautas consideradas desafiadoras, como a questão climática, o combate à pobreza, à fome e às desigualdades sociais.
Essa mudança não é apenas simbólica, também tem o potencial de transformar a maneira como os brasileiros veem a si mesmos e o seu lugar no mundo. Ao se colocarem no centro, eles desafiam a narrativa tradicional e reafirmam sua relevância no cenário global. Este é um passo crucial para uma integração nacional que celebra a diversidade e a riqueza cultural do Brasil, ao mesmo tempo em que fortalece sua posição como uma economia influente e um ator chave na geopolítica mundial.
O novo mapa com o Brasil no centro é um convite para o reconhecimento de cada nação, para que reconheçam a importância que possuem no mosaico global chamado Terra. O presidente do IBGE, Márcio Pochmann, sustentou que o novo atlas é um símbolo da imagem de um país e cabe ao IBGE apresentar às autoridades que representam o Brasil esse novo mapa.
“É um dever institucional destacar a importância desta publicação na formação do povo brasileiro, além de como o Brasil é visto no mundo”, disse Pochmann ao entregar o primeiro novo atlas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Além do presidente Lula, Pochmann também entregou a nova edição do Atlas Geográfico Escolar ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, ao Secretário de Relações Institucionais do governo Lula, Alexandre Padilha, ao ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta e ao líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP). Além de bacharel em Direito e mestre em Políticas Públicas, Rodrigues também é historiador e, além de entusiasta, é um exímio estudioso da cartografia mundial.
NO MAPA DO TOP 10
O Brasil, desde dezembro de 2023, está na presidência do grupo das 20 maiores economias do mundo, o G20. Pela primeira vez na história, o país preside o Grupo dos 20, que agrega dois terços da população mundial, cerca de 85% do PIB global e 75% do comércio internacional. No mapa-múndi do IBGE há referencias aos países que compõem o G20, além de marcações indicando em quais nações há uma representação diplomática.
Um fato que corrobora ainda mais para que o Brasil esteja no centro do mapa-múndi, é o retorno do país à lista das 10 maiores economias do mundo, já que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu 2,9% em 2023, ou U$ 2,17 trilhões (R$ 10,9 trilhões).
Este resultado credenciou o Brasil a ser o 9º país mais rico do mundo, quase alcançando a Itália que possui um PIB de U$ 2,18 trilhões. Para se ter uma noção da influência brasileira no mundo, o país ultrapassou países desenvolvidos como Canadá, Rússia, Coréia do Sul, Australia e Espanha. Em 2020, o Brasil havia caído para a 13ª posição. Os anos de 2010 e 2014 representaram a melhor colocação do país que chegou à posição 7.
O território brasileiro, que tem proporções continentais, é o quinto maior do mundo em área com 8.514.876 km². Desses, a Amazônia Legal ocupa 5.217.423 km², ou seja, 61% do Brasil é o lar da maior biodiversidade do planeta, com uma fauna e flora que representam, respectivamente, cerca de 30 milhões de espécies animais e mais de 30 mil vegetais. A extensão da bacia hidrográfica da Amazônia brasileira, que é a maior do mundo, é de 3.869.953 km², ou seja, possui 12% de toda a água doce do planeta.
BRASIL, O CORAÇÃO DO MUNDO
A Região Norte do Brasil, onde 80% do seu território tem predominância da Floresta Amazônica, possui 68% da água doce/potável do país e ainda possui o estado mais preservado, o Amapá, com 72% de cobertura florestal.
O mapa-múndi do IBGE, portanto, não é apenas uma bela e bem produzida representação cartográfica, mas também uma ferramenta pedagógica e política, que mostra a responsabilidade do Brasil no cenário internacional, bem como os desafios e as oportunidades que o país enfrenta no século XXI.
NO CENTRO DA EMPATIA E DA SOLIDARIEDADE
Muitos países ao redor do mundo já optaram por colocar seu território no centro do mapa-múndi. Essa escolha, geralmente motivada por causas políticas e estratégicas, altera a representação e percepção espacial de outros países. Estados Unidos, Japão, Austrália, Nova Zelândia e os países europeus são algumas das nações responsáveis por promover historicamente uma geografia ideológica e voltada para a disputa de poder, ao se posicionarem sempre no centro do mundo, embora não estejam nele.
A possível inspiração para o novo mapa-múndi do IBGE parece ter sido o conceito do artista uruguaio Joaquim Torres Garcia. Em 1943, ele desenhou a América do Sul ‘ao contrário’, com o Sul Global orientado ao topo do desenho. Esse movimento foi uma forma de desafiar a visão eurocêntrica tradicional e colocar outras regiões do mundo em destaque. O novo mapa-múndi, centralizando o Brasil, segue uma linha similar de pensamento, buscando redefinir a representação cartográfica e dar maior visibilidade ao país no contexto global.
“Logo após a ‘descoberta’ pelos europeus do continente americano, o primeiro mapa-múndi foi apresentado pelo italiano Alberto Cantino, em 1502. De lá para cá, a centralidade dos países do Norte Global nas projeções cartográficas, expressão do projeto eurocentrista de modernidade Ocidental. A emergência do Sul Global acompanha o reposicionamento do Brasil no mapa-múndi“, completou Marcio Pochmann, presidente do IBGE.
É inegável corroborar que as pautas brasileiras na agenda internacional são atualmente umas das mais relevantes para que as nações se alinhem aos debates e formulações de políticas públicas mundiais, essencialmente sobre as desigualdades sociais e as questões climáticas.Talvez o Brasil mereça sim estar no centro do mundo. Porque é o país que mais conclama a outras nações mais desenvolvidas, que o combate à fome e à pobreza não saiam do centro das atenções jamais.