“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” A epígrafe do livro Ensaio Sobre a Cegueira, obra que proporcionou a José Saramago vencer o Prêmio Nobel de Literatura de 1998, é tão abrangente que está em convergência com as pessoas que portam as chamadas “doenças ocultas”, dentre elas, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), principalmente com a sociedade.
E a obra de Saramago, sob o aspecto do “oculto”, é de muita utilidade para este dia 2 de abril, que é consagrado, desde 2008, pela Organização das Nações Unidas (ONU), como o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo.
No livro, ocorre uma súbita e inexplicada epidemia de cegueira que força os personagens a encarar uma realidade sobre a condição humana e as suas fragilidades diante de situações extremas. O colapso social os estimula a buscar pela redenção e pela renovação para que recuperem a sua humanidade e dignidade.
A INDIFERENÇA E A IGNORÂNCIA SÃO VISÍVEIS
No Brasil, mesmo com relativas campanhas favoráveis aos autistas, como o próprio Abril Azul, grande parte da sociedade ainda vive nos labirintos de cegueira social. Apenas ‘olha’ e, portanto, se torna ‘cega’ e não consegue analisar a própria realidade, imagine a das pessoas que são ‘invisíveis’.
Porém, quando as pessoas começam a ‘ver’ e reparar, os autistas não estarão mais no estado de invisibilidade social. O brasileiro, mesmo de forma gradativa, se interessa bem mais em compreender que pessoas com TEA, assim como suas famílias, passam anos estudando, ensinando e lutando por mais dignidade para autistas e contra preconceitos dos que não querem ver.
É fato que contextos simbólicos, como as cores representativas a respeito de determinadas campanhas sociais, como o azul em abril, são relevantes para colorir mais a cognição de quem tem conhecimento quase nulo sobre o autismo, o que muitas vezes gera o capacitismo. Simbologias também são advindas de estudos científicos que intentam a efetivação de ações em favor das pessoas com TEA. E que são relevantes para expor realidades muitas vezes complexas.
O autista não possui características que podem ser identificadas pelo olhar, como ocorre com quem tem Síndrome de Down. E por serem “invisíveis”, o preconceito é mais evidente e é assim que o capacitismo entra em questão.
O capacitismo é um preconceito inconsequente e escancarado que milhares de pessoas com alguma deficiência física ou mental sofrem. O próprio nome se explica. “A base do pensamento capacitista é de que há um padrão corporal – inclusive neurológico – ideal. Desta forma, quem não pode se enquadrar neste padrão não está habilitado para participar plenamente das atividades sociais”, de acordo com o portal Autismo e Realidade.
“Por que a gente considera que uma pessoa com deficiência alcançar um certo status na sociedade é extraordinário? Porque a gente vive em uma sociedade preconceituosa, capacitista, em que a gente não espera nada dessas pessoas”, afirma o apresentador do podcast Introvertendo, Tiago Abreu, diagnosticado com autismo em 2015. O podcast é produzido e concebido por autistas.
LEGISLAÇÃO A FAVOR DO TEA AINDA É RAZOÁVEL
O termo “capacitista” sequer existe na legislação do Brasil, mas a Lei 13.146, de 6 de julho de 2015, que define o Estatuto da Pessoa com Deficiência, prevê em seu artigo 4º que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. A lei ainda explica que a pessoa que pratica, induz ou incita discriminação a pessoas com deficiência está sujeita a uma condenação a prisão de 1 a 3 anos, além de multa. A pena aumenta em um terço se a vítima estiver sob cuidado e responsabilidade do acusado.
Outra lei aprovada em 2012, considerada um marco para pessoas com TEA e suas famílias, a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que define o transtorno como deficiência. Conquista liderada por Berenice Piana, mãe de um autista, a lei permitiu às pessoas com TEA o acesso a todos os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, que norteia as ações provocadas por casos de capacitismo.
Em 2020, foi sancionada a Lei nº 13.977, que institui a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA). A Lei ficou conhecida como Lei Romeo Mion, em homenagem ao filho do apresentador Marcos Mion, que possui o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Com essa iniciativa, a pessoa com TEA terá direito a uma carteira de identificação, que, segundo o texto da lei, terá como objetivo “garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social” para esse público. Para identificar a prioridade à pessoa com TEA, os estabelecimentos poderão utilizar como símbolo a fita quebra-cabeças.
A legislação mais recente que a comunidade TEA agregou como vitória é a Lei 14.624/2023, aprimorando a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Ela formaliza o uso nacional do cordão de girassol como identificação oficial para portadores de deficiência oculta. O símbolo do girassol não será obrigatório, mas oferece uma forma opcional de sinalização para facilitar a compreensão e o apoio pela sociedade. A lei reforça que o uso do cordão não substitui a apresentação de documentos comprobatórios e que o exercício dos direitos da pessoa com deficiência não estará condicionado ao acessório.
As deficiências ocultas, como Autismo, TDAH, TOC, Fibromialgia, entre outras, nem sempre são visíveis externamente. Muitas vezes, as pessoas que convivem com essas condições enfrentam desafios únicos que podem não ser imediatamente percebidos por outras pessoas. O uso do cordão de girassol cria um ambiente mais inclusivo, onde todos podem ser acolhidos e apoiados, independentemente de suas limitações.
AUTISMO: O QUE É, QUAIS OS SINAIS, DIAGNÓSTICOS E TRATAMENTO
Segundo o Center of Diseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, estima-se que cerca de 2% da população mundial tenha algum grau de autismo, sendo a ocorrência mais comum em meninos do que em meninas. E 1 a cada 36 crianças têm autismo. No Brasil, o número é calculado em aproximados 2 milhões de pessoas.
No Amapá, é tarefa difícil encontrar dados recentes sobre TEA, o que atrapalha estudos sobre o tema. Os números mais próximos são do Censo Escolar de 2018, divulgados em 2019. Entre 4.697 alunos com necessidades especificas, 591 foram registradas como autistas.
Ao G1, a professora associada da Universidade de São Paulo e pesquisadora da plataforma cientifica Pasteur USP, Patrícia Braga, ressaltou que “não temos estimativas exclusivas do Brasil porque, aqui, o diagnóstico é feito com mais dificuldade. É algo precário. Temos poucos profissionais especializados, e descobrir que alguém tem autismo não é tão simples. Não existe um único exame que detecte isso”.
Grande parte da comunidade terapêutica, familiar, órgãos da sociedade civil de luta pelo TEA e dos próprios autistas estão sempre esperançosos sobre mais políticas públicas de governos e de debates recorrentes e eficientes de instituições cientificas que estudam o TEA.
O autismo não é uma doença, é considerado um distúrbio do desenvolvimento com características próprias e variadas. As causas do autismo ainda não são totalmente conhecidas, mas sabe-se que há uma combinação de fatores genéticos e ambientais envolvidos. O diagnóstico é baseado em critérios clínicos, ou seja, na observação do comportamento e do desenvolvimento da criança. Não há um exame específico que possa confirmar ou descartar o autismo.
O ideal é que o diagnóstico seja feito o mais cedo possível, preferencialmente antes dos três anos de idade, pois isso permite iniciar um tratamento adequado e favorecer o potencial da criança. Alguns sinais que podem indicar a presença de autismo são: atraso ou ausência de fala, falta de contato visual, dificuldade de interagir com outras pessoas, interesse restrito por determinados objetos ou atividades, repetição de movimentos ou sons, hipersensibilidade ou hipo-sensibilidade a estímulos sensoriais, entre outros.
“O TEA é um grande “guarda-chuva”, que abarca pessoas com quadros bem diferentes – há desde aquelas de “grau 1”, que são mais independentes e precisam de menos suporte, até as de “grau 3”, que precisam de maior auxílio e não falam, por exemplo”, explicou o Alysson Muotri, pesquisador na área de genética da Universidade da Califórnia
O tratamento é individualizado e multidisciplinar, envolvendo profissionais de diversas áreas, como neurologia, psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e educação especial. O objetivo é oferecer à criança um apoio adequado às suas necessidades e habilidades, estimulando o seu desenvolvimento global.
O tratamento pode incluir intervenções comportamentais, educacionais, comunicativas, sensoriais, medicamentosas e outras, de acordo com cada caso. Os benefícios do tratamento são a melhora da qualidade de vida, da autonomia, da aprendizagem, da interação social e da saúde mental da criança e da sua família.
A vida de uma pessoa com autismo na sociedade depende de vários fatores, como o grau de comprometimento, o tipo de tratamento, o apoio familiar e social, e as oportunidades de inclusão. Uma pessoa com autismo pode ter uma vida produtiva, feliz e satisfatória, desde que receba o respeito, a compreensão e a aceitação de que precisa. Os principais desafios que ela enfrenta são o preconceito, a discriminação, a falta de acessibilidade, a violência, a exclusão e a invisibilidade. Por isso, é fundamental que a sociedade se informe, se sensibilize e se mobilize para garantir os direitos e a cidadania das pessoas com autismo.
AUTISMO NA FASE ADULTA
Autistas adultos são pessoas que nasceram com autismo ou foram diagnosticadas na infância e que continuam a apresentar as características do transtorno ao longo da vida. O autismo é um espectro, o que significa que há uma grande diversidade de perfis, sintomas, habilidades e necessidades entre os autistas adultos.
Alguns têm uma inteligência acima da média, outros podem ter deficiência intelectual ou dificuldades de aprendizagem. Há os que têm a fala fluente, outros podem ser não verbais ou usar formas alternativas de comunicação. Autistas adultos podem ter uma vida independente, ao contrário dos que precisam de suporte contínuo.
Autistas adultos enfrentam diversos desafios na sociedade, como a falta de diagnóstico adequado, a escassez de serviços especializados, a discriminação no mercado de trabalho, a dificuldade de relacionamento afetivo, a vulnerabilidade à depressão, à ansiedade e ao suicídio, entre outros. Por outro lado, muitos autistas adultos também têm talentos, interesses, qualidades e potenciais que podem contribuir para a sua realização pessoal e profissional, bem como para a sociedade em geral. Para isso, é necessário que haja mais conscientização, informação, respeito, inclusão e apoio às pessoas com autismo em todas as fases da vida.
PROGRAMAÇÃO REFERENTE AO TEA NO AMAPÁ
O Governo do Amapá lança, na terça-feira, 2, a programação “Abril Azul: Mês de Conscientização do Autismo“, com ações educativas e de cidadania em Macapá e no interior do estado. Haverá, ainda, incentivo para a emissão de carteira de identificação da pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e da carteira para pessoas com deficiências ocultas, como esclerose múltipla e doença de Chron.
Confira os documentos necessários para a emissão das carteiras e da entrega do Cordão de Girassol:
- RG e CPF (pessoa com TEA e responsável legal)
- Laudo médico do profissional especializado com o CID correspondente
- 01 Foto 3×4 atualizada
- Comprovante de tipagem sanguínea
- Comprovante de residência
- Em caso de 2ª via, necessário boletim de ocorrência
Confira a programação do ‘Abril Azul: Mês de Conscientização sobre o Autismo’:
– Emissões da Carteira do TEA, Cordão Girassol e Carteira de Identificação de Doenças Ocultas em Macapá
- Data: terça-feira, 2
- Local: Centro de Reabilitação do Amapá (Creap), na Rua Tiradentes, e em todas as unidades do Super Fácil na capital
- Hora: das 8h às 12h
– Ciclo de palestras de conscientização sobre TEA
- Data: 8 de abril e 9 de abril
- Local: unidade do Super Fácil no bairro Congós
– Ciclo de palestras de conscientização sobre TEA
- Data: 11 e 12 de abril
- Local: unidade do Super Fácil Zona Norte
– Emissões da Carteira do TEA, Cordão Girassol e Carteira de Identificação de Doenças Ocultas, com participação de associações ligadas ao TEA
- Data: 13 de abril
- Local: unidades do Super Fácil de Macapá e Santana
– Ciclo de palestras de conscientização sobre TEA
- Data: 15 e 16 de abril
- Local: unidade do Super Fácil do bairro Beirol
– Emissões da Carteira do TEA, Cordão Girassol e Carteira de Identificação de Doenças Ocultas, com participação de associações ligadas ao TEA
- Data: 20 de abril
- Local: unidades do Super Fácil de Macapá e Santana
– Ciclo de palestras de conscientização sobre TEA
- Data: 22 e 23 de abril
- Local: unidade do Super Fácil no Centro
– Emissões da Carteira do TEA, Cordão Girassol e Carteira de Identificação de Doenças Ocultas, com participação de associações ligadas ao TEA
- Data: 27 de abril
- Local: unidades do Super Fácil de Macapá e Santana
– Ciclo de palestras de conscientização sobre TEA
- Data: 29 e 30 de abril
- Local: unidade do Super Fácil em Santana