O presidente da França, Emmanuel Macron, visitou o Brasil por três dias e assinou diversos acordos de cooperação binacionais com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente sobre investimentos no setor ambiental.
Macron, em seu primeiro dia de agendas no Brasil, visitou Belém/PA, mais especificamente a Ilha do Combu, mas o Amapá e a própria Guiana Francesa, território ultramarino da “França Latina”, vizinhos do Pará, foram preteridos pela comitiva francesa.
A região fronteiriça, margeada pelo Rio Oiapoque, possui 730 km de extensão e inclusive é a maior fronteira da França, mesmo não sendo na Europa. Todavia, a lacuna diplomática da não ida de Macron sequer à Guiana, foi preenchida por uma notícia, dentre outras, que representa uma vitória significativa para o Amapá.
Clécio lança luzes sobre Macron
O presidente Macron foi recebido, na quinta-feira (28), pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Clécio Luís (Solidariedade), único governador (Amapá) a participar do encontro, a portas fechadas, com o presidente francês, além de pautas ambientais, cooperação e desenvolvimento socioeconômico da fronteira, tratou sobre um embaraço diplomático que vem afetando a vida de milhares de amapaenses/brasileiros há 15 anos.
A burocracia extrema, da parte do governo francês, diante do desejo das pessoas, a partir do Oiapoque, de entrarem em território guianense.

Acompanhado pelos senadores Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Davi Alcolumbre (União-AP), Clécio ressaltou a importância do ir e vir na fronteira, de forma legal e democrática, tanto para brasileiros quanto guianenses. “Precisamos lançar luzes de legalidade para que essa cooperação se torne institucional. Queremos, juntos, resolver problemas históricos e cooperar“, sugeriu Clécio Luís.
Euros de distância
E um dos problemas históricos que o governador Clécio se refere é justamente a maneira como as autoridades francesas vêm agindo sobre o acesso de brasileiros à Guiana. Segundo informa a Embaixada da França, o protocolo atual para a entrada de brasileiros naquele território ultramarino francês, é dispendioso no bolso e no tempo.
O visto, que tem a validade de até 90 dias, custa € 60, ou R$ 325,20 na cotação até o fechamento desta matéria. E o preenchimento do documento chega a ser um relatório minuciosamente entediante sobre os aspectos financeiros dos interessados.
A impressão é que o documento francês foi idealizado para que a pessoa desista e volte para casa, sendo que a residência de muitas pessoas fica na própria Guiana, ou que estas têm parentes lá morando e não os vê justamente pela burocracia francesa que chega a causar espécie.
É dramático o que as pessoas passam, ou passaram, a respeito deste dificílimo ingresso à Caiena, Kourou, Saint-Georges, o território todo da Guiana Francesa.
O senador Davi Alcolumbre, que também participou da reunião particular, no Congresso, com o presidente Macron, disse ao Correio Braziliense que “nós temos um problema seríssimo no Amapá que é a questão do visto na relação institucional com o outro país. Isto é um problema dramático para os amapaenses, porque para você entrar na Guiana Francesa precisa de visto. E para você sair de Brasília, de São Paulo e do Rio para a França, não é preciso”, explicou o senador amapaense.

Para efeito de comparação, segundo a Polícia Federal do Brasil, o valor da taxa comum para a emissão de um passaporte é de R$ 257,25, ou seja, R$ 67,95 a menos do que o valor do visto cobrado pelas autoridades francesas. A Guiana Francesa, como território ultramarino, e, por óbvio, não estando geograficamente na Europa, não participa do Acordo de Schengen, instituído em 1985 e que permite a livre circulação de europeus hoje em 27 países, sem passaporte ou outros documentos.
Porém, com a atual e injusta disparidade que há na fronteira sobre a facilidade de um cidadão francês adentrar ao Brasil, ao contrário dos brasileiros a terras guianenses, o que se depreende, guardadas as devidas distâncias e ironias, é que a Guiana Francesa importou e vem usufruindo do Acordo de Schengen, versão América do Sul.
Sem visto e sem custo algum, são recebidos em solo tupiniquim após checagem de documentos e carimbos de permissão pelas autoridades brasileiras em Oiapoque. E com a mesma agilidade que são recebidos, rumam ao estado do Amapá. Nada contra qualquer cidadão francês, guianense, ou de outros países que se destinam ao Brasil, através do Oiapoque. O contratempo que já vem há bastante tempo é que gera contrariedades que beiram o desrespeito ao ser humano.

Ringuet, o justo
Agora, façamos uma travessia de volta à Guiana Francesa – aproveite que por este texto o acesso é livre – até chegar na pequena e peculiar Kourou, uma cidade de aproximados 20 mil habitantes e que possui dois atrativos que a engrandecem: o litoral e o Centro Espacial da Guiana, uma base de lançamentos de foguetes considerada, pelo Parlamento Europeu, como a “porta de entrada da Europa na galáxia”.
Quem a administra é o simpático prefeito François Ringuet, de quem certamente grande parte dos leitores deste texto nunca ouviram falar. Mas Ringuet tem sido, há 15 anos, um dos principais entusiastas da legalização democrática da permissão de entradas e saídas dos cidadãos de ambos os territórios fronteiriços.
Ontem (29), o prefeito deu uma declaração, em suas redes sociais, garantindo que os presidentes Lula e Macron trataram sobre este entrave diplomático que já dura há quase duas décadas. Ringuet concorda que cooperações interfronteiriças devem ter reciprocidade, especialmente se questões como a bioeconomia, uma política pública de preservação da Amazônia em voga na atualidade, estão em pauta.

Liberté, égalité, fraternité.
“Deveria ser normal o brasileiro ter o mesmo tratamento para entrar na Guiana que o guianense ou o francês têm para ir ao Brasil”, afirmou o prefeito Ringuet, que acha incorreto que apenas o brasileiro pague (caro) para entrar na Guiana.
O prefeito citou o ex-governador Waldez Góes (PDT), hoje ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional do governo Lula e o atual governador Clécio Luís como lideranças políticas que também estão ou estiveram à frente desta batalha não pela queda da Bastilha versão Amazônia, mas pela igualdade diplomática entre a fronteira do Amapá com a Guiana Francesa. Justiça para brasileiros e guianenses.
Ringuet sustentou que, a exemplo do governador Clécio, também conversou com o presidente francês Emmanuel Macron sobre esta pauta que perdura por 15 anos. “Os presidentes Macron e Lula conversaram sobre o que vem ocorrendo na fronteira”, ressaltou Ringuet que ainda completou que “eles disseram que já é tempo de resolver isso”.
O prefeito de Kourou disse, ainda, que em até seis meses as problemáticas que envolvem vistos, passaportes e demais pendências burocráticas que atrapalham o desenvolvimento daquela região, atravessem a bela e estaiada Ponte Binacional Franco-Brasileira, de posse de um passaporte sem retorno.
Afinal, liberté, égalité, fraternité.