A agora ex-deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP) precisará encontrar mais do que uma harmonia jurídica para responder aos crimes que supostamente está envolvida. O Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) cassou seu mandato após descobrir que ela usou dinheiro da campanha de 2022 para pagar uma harmonização facial.
A decisão do tribunal apontou que Silvia usou recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para pagar um cirurgião-dentista, configurando desvio de finalidade e uso impróprio dos fundos de campanha, o que viola as normas eleitorais.
Silvia, que foi eleita deputada federal em 2022 com 5.435 votos, tornando-se a parlamentar menos votada do Brasil, ficou famosa nos anos 2000 como a índia Crocoká, na novela “Uga Uga”, teria desembolsado R$ 9 mil dos fundos de campanha para um retoque no visual. Os desembargadores rejeitaram a prestação de contas dela de maneira unânime. A assessoria de Silvia revelou que ela soube da cassação pela imprensa e afirmou que as contas da campanha já haviam sido aprovadas pelo TRE-AP. Agora, Silvia vai recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Nascida em Macapá, Silvia Nobre Waiãpi, 48, tem um histórico curioso e diversificado de atividades de deixar qualquer praticante de crossfit boquiaberto. Silvia, além de atriz, é atleta e entusiasta da fisioterapia. A oficial da reserva do Exército, também foi jogadora de futebol do Clube de Regatas Vasco da Gama, do Rio de Janeiro.
Em 2011, fez história como a primeira indígena a entrar para o Exército Brasileiro chegando à patente de Tenente. A ex-deputada também fez participações em minisséries globais, como “A Muralha” (2000), “A Cura” (2010) e “Dois Irmãos” (2017). De 2018 a 2022, foi secretária de Saúde Indígena do então governo Bolsonaro, de quem é apoiadora inconteste. Em 2023, seu nome apareceu no inquérito dos atos golpistas no Distrito Federal.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Eleitoral (MPE), Silvia fez o procedimento estético em várias sessões num consultório odontológico em Macapá, começando em 29 de agosto de 2022 – o mesmo dia em que ela recebeu recursos do FEFC. A coordenadora de campanha, Maete Mastop, foi quem levou a questão ao MP Eleitoral. O MP afirma que Silvia transferiu dinheiro da conta da campanha para a conta pessoal de Maete, que então pagou pela harmonização, seguindo ordens da candidata. O advogado de Maete argumenta que ela foi enganada e pretende mudar sua status de acusada para testemunha. Maete teria procurado o MP assim que percebeu a confusão.
Além de Maete, o cirurgião-dentista também prestou depoimento. A denúncia do MP Eleitoral inclui comprovantes de transferências bancárias e pagamentos na clínica. Na Câmara dos Deputados, Silvia é autora ou co-autora de 128 propostas legislativas. Uma das mais recentes, apresentada em 19 de junho, trata da obrigatoriedade de notificação à polícia por hospitais, clínicas e unidades de saúde sobre abortos decorrentes de estupro.
A trajetória de Silvia é cheia de surpresas. Ela participou do governo de transição de Bolsonaro em 2018 e, em 2019, foi nomeada secretária de Saúde Indígena, posição que enfrentou resistência dos povos originários. Em 2021, foi nomeada Conselheira Nacional de Promoção da Igualdade Racial, cargo vinculado ao Ministério da Mulher, então liderado por Damares Alves, hoje senadora pelo Republicanos. Assim, por ora, a cassação não só interrompe sua carreira política emergente, mas também levanta sérias questões sobre ética e legalidade no uso de recursos públicos em campanhas eleitorais.
Além da cassação do mandato, Silvia também está sendo investigada pela Justiça por seu suposto envolvimento nos ataques de 8 de janeiro. A deputada teria postado vídeos apoiando os ataques, o que resultou em um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF). O caso da harmonização facial acabou desarmonizando a trajetória política de Silvia Waiãpi.