Neste dia 31 de março, há 60 anos, o Brasil foi tomado pelo período mais nefasto de sua História com o golpe militar de 1964. Porém, é relevante situar um fato anterior ao início da ditadura militar no Brasil. A década de 60 talvez, segundo historiadores, foi a mais efervescente em todos os contextos, principalmente os políticos, sociais, econômicos e culturais que nos anos subsequentes alterariam historicamente o país.
Em 25 de agosto de 1961, um presidente, três anos antes dos militares, intencionou dar um autogolpe imaginando que voltaria com poder absoluto. Jânio Quadros assim o fez enviando um simples bilhete ao Congresso Nacional, em 25 de agosto de 1961, deixando até adversários atônitos.
Tendo a vassoura, para varrer a corrupção, como símbolo de campanha antes de ser eleito, Jânio, imaginando que a sua renúncia não seria aceita pelo Congresso, pelas Forças Armadas e inclusive pelo povo, passou por um dos momentos mais desconcertantes do Brasil. O Congresso Nacional aceitou a sua renúncia e ele ficou apenas sete meses no poder.
Dizem, ironicamente, que o feito mais importante, durante o curto período como presidente, foi condecorar o então ministro cubano Ernesto “Che” Guevara com a Grã-cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul.
Jango assume com rejeição conservadora
Mal assumiu como presidente e João Goulart começou a ser criticado duramente por diversos setores sociais como as elites empresariais, a imprensa, a Igreja Católica, os militares e os partidos conservadores. Jango era acusado de ser comunista e populista e de tentar implantar reformas radicais que ameaçavam os interesses desses grupos citados.
Enquanto a elite brasileira fazia de Jango um alvo recorrente de acusações, os movimentos populares também estavam se movimentando para reivindicar melhores condições de vida, de trabalho e de educação.
Entre esses movimentos, claramente de esquerda, destacavam-se as Ligas Camponesas, cujo lema era “Reforma Agrária na lei ou na marra”, os sindicatos urbanos que organizavam greves e manifestações, os estudantes que protestavam contra a precariedade do ensino, e os grupos que defendiam a revolução socialista.
Perto do golpe, Jango acenou à esquerda
Em consonância com as manifestações de esquerda, Jango organizou, em 13 de março de 1964, um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde anunciou o Plano de Reformas de Base, que incluía medidas como a nacionalização de empresas estrangeiras, a limitação da remessa de lucros para o exterior, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma educacional e a reforma eleitoral.
O evento enfureceu ainda mais os adversários do presidente que acreditavam que o plano era uma aproximação mais intensa com o comunismo e um afastamento das classes mais abastadas.
Sendo assim, os opositores, em resposta a Jango, formalizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 19 de março daquele ano, uma manifestação organizada por setores conservadores da sociedade, que contou com o apoio da Igreja Católica, da imprensa e de empresários. A marcha reuniu cerca de 500 mil pessoas em São Paulo, que pediam a saída de Jango e a intervenção dos militares para “salvar o Brasil do comunismo“.
Mourão antecipou o golpe
Entre acusações, defesas e com o Brasil em ebulição, Jango seguia enfrentando seus contendores ao mesmo tempo que tentava governar um país que já demonstrava uma fúria conservadora que ele teria que equilibrar até ser impedido pelo golpe militar de 1964. A “revolução”, segundo afirmavam militares da época – e que perdura até os tempos atuais – já tinha até uma data planejada para ocorrer: 10 de abril.
Mas, um general que comandava a 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora (MG), decidiu arquitetar uma rebelião contra o governo, com o apoio de outros oficiais. As tropas marcharam em direção ao Rio de Janeiro, onde estava Jango, que não conseguiu organizar uma resistência efetiva. Diante da iminência de um confronto armado, Jango decidiu deixar o país e se refugiar no Uruguai, na madrugada do dia 1º de abril. O Congresso Nacional, então, declarou a vacância da presidência e empossou o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, como presidente interino.
A polarização ideológica entre esquerda e direita, o temor de uma suposta ameaça comunista no Brasil, o descontentamento de setores militares, empresariais, religiosos e da classe média e alta com as reformas de base propostas por João Goulart, foram alguns dos motivos que sacramentaram o golpe.
As consequências da revolução fake
“O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução”. Primeiro parágrafo do Ato Institucional nº 1.
O regime militar teve cinco presidentes: Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967), Artur da Costa e Silva (1967-1969), Emilio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985). O período mais duro da ditadura, os “anos de chumbo“, o governo de Médici, entre 1968 e 1974, quando vigorou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o ato mais perverso, em todos os sentidos, ao Brasil.
O AI-5 suspendeu o habeas corpus, fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos, proibiu greves e manifestações, e ampliou os poderes do Executivo para reprimir qualquer forma de oposição.
Estas ações fizeram com que as classes que já lutavam contra o regime militar se unissem e se fortalecessem ainda mais.
O golpe 1964 inaugurou um período de 21 anos de ditadura no Brasil, caracterizado pela supressão das liberdades democráticas, por graves violações aos direitos humanos, pela censura à imprensa e às artes, pela perseguição, tortura e morte de opositores políticos. Também houve repressão aos movimentos sociais, intervenção nos sindicatos e nas universidades, centralização do poder nas mãos dos militares, adoção de uma política econômica favorável aos interesses do capital estrangeiro e pela aliança com os Estados Unidos, no contexto da Guerra Fria.
O governo militar se caracterizou por um forte autoritarismo, que se manifestou na suspensão das eleições diretas para presidente, na cassação dos direitos políticos de milhares de cidadãos, na extinção dos partidos políticos existentes e na criação de dois novos partidos: a Arena (Aliança Renovadora Nacional), que apoiava o governo, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que fazia uma oposição consentida.
Intelectuais dos mais diversos campos de pensamento, a oposição parlamentar, a imprensa alternativa, a música de protesto, o teatro engajado, as greves operárias, os movimentos estudantis, as comunidades eclesiais de base, os movimentos feministas, negros e indígenas e as campanhas pela anistia, pelas Diretas Já e pela Constituinte, eram as principais frentes de luta contra os militares.
E como ação mais radical, grupos organizados como a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Comando de Libertação Nacional (COLINA), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), usavam da luta armada para enfrentar o regime, além de sequestros, entre eles, sendo o mais notório, o rapto do embaixador dos EUA à época Charles Elbrick.
“Revolução” derrotada, democracia respeitada
O período de 21 anos de ditadura militar no Brasil foi marcado por graves violações aos direitos humanos, censura, repressão, tortura, exílio e morte de opositores políticos, além de profundas transformações econômicas, sociais e culturais no país.
A partir da década de 1980, o regime militar entrou em crise, devido à recessão econômica, à dívida externa, à inflação, à corrupção, à insatisfação popular e à pressão internacional. Em 1985, ocorreu a transição para a democracia, com a eleição indireta de Tancredo Neves, que morreu antes de assumir, e a posse de José Sarney, como presidente civil.
O processo de redemocratização do Brasil foi gradual e negociado, contou com a participação de diversos atores políticos e sociais. Entre os principais marcos desse processo, podemos citar: a eleição indireta de Tancredo Neves, em 1985, que representou o fim do ciclo dos presidentes militares; a promulgação da Constituição de 1988, que restabeleceu as liberdades e os direitos fundamentais; a eleição direta de Fernando Collor, em 1989, que marcou o retorno do voto popular para presidente; e a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, que investigou as violações aos direitos humanos cometidas pelo Estado durante a ditadura militar.
O primeiro parágrafo do AI-1, citado neste texto, é uma resposta aos próprios militares ou a qualquer pessoa que ainda defende outro regime militar. “O que houve e continuará a haver (estado democrático de Direito) neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas (de inteligência), como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução (do Brasil contra contra golpistas)”. Primeiro parágrafo do Ato Institucional nº 1.