As operações da Polícia Federal no estado do Amapá têm sido recorrentes nos últimos meses. E boa parte das incursões policiais ocorrem para eliminar o garimpo ilegal, crime que cresceu consideravelmente no estado que ostenta o título de mais preservado do país. O Amapá possui quase 143 mil metros quadrados de extensão, com 73% de cobertura florestal intacta.
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente do Estado (SEMA), essa área corresponde a 9,3 milhões dos 14,3 milhões de hectares que formam o estado. O que torna esta gigantesca área preservada é a presença de 21 Unidades de Conservação (UCs) e dos povos da floresta, como indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
E é em uma dessas unidades florestais que a justiça, o governo estadual e federal, além de instituições de defesa ambiental, está mapeando, investigando, punindo e protegendo a Amazônia do garimpo ilícito.
O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, o maior parque nacional do Brasil, criado em 2002 e gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tem uma extensão de 38.170 km2 de beleza natural, fauna e flora únicas.
Para efeitos de comparação territorial, o PARNA Tumucumaque é maior que a Bélgica (30.513 km2), ocupa 25% do território amapaense e o seu contorno possui aproximados 1.750 km, que é o equivalente à distância entre Belém (PA) e Brasília (DF).
E o mais relevante é que o parque é uma área de proteção ambiental integral. O objetivo destas áreas é a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica. A legislação brasileira determina que essas áreas devem ser de posse e domínio públicos, ou seja, se for o caso, propriedades particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas.
A habitação humana é proibida para garantir a proteção dos recursos naturais existentes sem interferência direta, permitindo apenas o uso indireto dos recursos naturais, como pesquisas científicas e visitação pública com fins educacionais ou turísticos. Essas medidas são essenciais para manter o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.
E é contra o avanço de garimpeiros criminosos, ao território protegido do Parque do Tumucumaque, que as autoridades vêm se empenhando recorrentemente para capturar, apreender e até destruir equipamentos e maquinários utilizados para a garimpagem ilegal.
ÁGUAS DE PRATA 1 E 2
O combate ao garimpo ilegal no município de Pedra Branca do Amapari, a 189 km de Macapá, além do garimpo do Lourenço, no município de Calçoene, que fica a 363 km da capital do Amapá, tem sido cada vez mais costumeiro. Em abril e outubro de 2023, até o atual momento, já foram quatro ações da Polícia Federal contra a esta atividade criminosa.
A PF, em abril de 2023, realizou a Operação Águas de Prata e teve como alvo o garimpo São Domingos, nos arredores de Pedra Branca do Amapari. Os policiais destruíram vários equipamentos clandestinos, o que levou os garimpeiros ilegais a um prejuízo em torno de R$ 2 milhões. O nome que batiza a operação da PF é inspirado na cor do mercúrio, que é prata
MERCÚRIO – Como metal, o mercúrio tem uma superfície que reflete bem a luz, o que contribui para seu brilho. A cor prateada também está relacionada à sua estrutura atômica, que interage com a luz de maneira específica. É usado na mineração de ouro para amalgamar pequenas partículas de ouro, facilitando a sua separação de outros sedimentos. No entanto, seu uso é altamente regulamentado devido aos riscos ambientais e à saúde, e o garimpo ilegal com mercúrio pode causar sérios danos ecológicos e humanos.
Já a Operação Águas de Prata 2 aconteceu em outubro de 2023, seis meses após a primeira incursão e seguiu os passos da operação anterior, onde os policiais federais intensificaram as ações contra o garimpo ilegal na região de Pedra Branca e de Serra do Navio, município a 206 km de Macapá. Durante a operação, um homem foi preso em flagrante operando uma máquina escavadeira, que depois foi destruída pelas autoridades.
ÁGUAS DE PRATA 3
No último dia 05 de abril, a Polícia Federal comandou mais uma operação em Pedra Branca, a terceira fase da Águas de Prata. O município é um dos que fazem parte da abrangência do PARNA Tumucumaque, não à toa as autoridades retornam para combater garimpeiros ilegais.
Com apoio da Polícia Civil, por intermédio do Grupamento Tático Aéreo (GTA) e de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), os policiais voltaram ao garimpo São Domingos, o que já tinha ocorrido na primeira fase da operação, e realizaram incursões ao garimpo Urucum.
A ação conjunta das autoridades resultou na localização de uma vasta área desmatada pelos garimpeiros ilegais, próxima à Terra Indígena Waiãpi. Para surpresa das autoridades, o tamanho do descampado foi calculado em 680 mil metros quadrados, ou o equivalente a 83 campos de futebol. Exatamente onde foram encontradas as atividades criminosas nos garimpos de São Domingos e Urucum.
No local, foram destruídas 4 escavadeiras hidráulicas e 5 motores-bomba, além de outros equipamentos utilizados pelo garimpo ilegal. Os prejuízos estimados aos garimpeiros ilegais podem ultrapassar os R$ 3 milhões. Os investigados também podem responder pelos crimes de usurpação de bem da União, poluição e desmatamento, com penas que podem chegar a até 13 anos de reclusão, além de multas.
OURO DE DOLO
A cada operação policial, a prática do garimpo ilegal consegue se recompor após um tempo para continuar a causar ilícitos. As três fases da operação da Polícia Federal, Águas de Prata, externam a ideia do quanto os grupos criminosos voltam a se reunir para seguir desmatando áreas enormes do Amapá.
Há aproximadamente 130 anos, garimpeiros exploram o chão do garimpo do Lourenço em busca da riqueza tão sonhada. Distante 374 km de Macapá, o garimpo, que fica na zona rural do município de Calçoene, foi alvo, em outubro de 2023, mesma época da Águas de Prata 2, de uma outra operação da PF, a Divertere. Esta investida contou com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Polícia Civil, através do Grupamento Tático Aéreo (GTA).
A missão foi reprimir o avanço desenfreado de garimpeiros que já estão desmatando áreas consideráveis do maior parque nacional de floresta tropical do mundo, o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, que tem a gestão do ICMBio.
O território do parque compreende os municípios amapaenses de Calçoene, Laranjal do Jari, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio. No Pará, a extensão do parque alcança apenas o município de Almeirim.
Segundo o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), entre 2022 e 2023, houve o crescimento de 304% da atividade ilegal do garimpo em áreas que pertencem ao PARNA Tumucumaque. Esta estatística estarrecedora equivale a 122 hectares, ou a 170 campos de futebol que já foram devastados pela ganância criminosa de garimpeiros, partícipes de um verdadeiro crime organizado contra a Amazônia.
GARIMPO ILEGAL: SINÔNIMO DE EXTERMÍNIO
O garimpo ilegal tem um impacto devastador na biodiversidade, especialmente em ecossistemas ricos como a Amazônia. A perda de vegetação nativa, devido ao desmatamento causado pelo garimpo, reduz a biodiversidade. O aumento das emissões de gases de efeito estufa devido à destruição da vegetação, o que contribui para as mudanças climáticas, é um fator que pode provocar uma degradação ambiental irreversível.
A presença de garimpeiros ilegais em territórios indígenas e áreas protegidas gera tensões sociais. O aumento da violência e da grilagem de terras está frequentemente associado ao garimpo ilegal, pois a disputa por áreas ricas em minerais pode intensificar as disputas por território.
Além dos riscos à saúde, o garimpo ilegal também compromete as atividades tradicionais como a caça, a pesca e a coleta de frutos, essenciais para a subsistência dos povos da floresta, comunidades que ajudam na preservação da Amazônia, entre eles, os próprios indígenas, ribeirinhos, pescadores, quilombolas e agricultores familiares.
MEDIDAS PARA PRESERVAR O OURO VERDE
O Governo Federal, além das operações da Polícia Federal em conjunto com outras instituições, tem adotado uma série de medidas para combater o garimpo ilegal, especialmente em terras indígenas, que são áreas de grande importância ecológica e cultural.
Uma das ações mais significativas foi a assinatura de um decreto que autoriza o controle do espaço aéreo sobre o território. Yanomami, em Roraima, permitindo que a Aeronáutica adote medidas de controle contra tráfego aéreo suspeito de atividades ilícitas.
Além disso, o decreto prevê a atuação da Força Nacional na segurança das equipes de saúde e assistência no território Yanomami, bem como o fornecimento de dados de inteligência e transporte aéreo logístico para as equipes da Polícia Federal e do IBAMA que participam das operações contra o garimpo ilegal.
Outras determinações do GF é eliminar os tráfegos aéreo e fluvial de garimpos ilegais, com o objetivo de iniciar um processo de remoção dos criminosos da área. Essa medida visa não apenas impedir as atividades ilegais, mas também prevenir a disseminação de doenças, protegendo assim tanto o meio ambiente quanto as populações indígenas.
Em março passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, editou uma Medida Provisória de liberação de emergência no valor de R$ 1 bilhão exclusivamente para ações de saúde pública na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Além do combate ao garimpo ilegal.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública determinou que as Forças Armadas e a Polícia Federal estejam presentes de forma permanente em áreas da Amazônia onde os garimpeiros ilegais atuam, como vem ocorrendo no Amapá.
Já o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu uma ordem ao Governo Federal para que haja a idealização de um plano de proteção às Terras Indígenas, como a Yanomami, em Roraima e Wajãpi, no Amapá. O STF também requereu, ao GF, um planejamento para que os garimpeiros ilegais sejam definitivamente expulsos da Amazônia.
Órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) já estão a agir com mais rigor quanto aos crimes ambientais causados pelo garimpo irregular. Já foram realizados embargos de áreas degradadas, além de multas significativas a quem participa do garimpo ilegal. O embargo de área degradada é uma medida administrativa utilizada para impedir a continuação de danos ao meio ambiente.
Quando uma área é considerada degradada devido a atividades como desmatamento ou mineração ilegal, as autoridades podem impor um embargo, que proíbe temporariamente qualquer atividade que possa causar mais danos. O objetivo é proteger a área enquanto se desenvolve um plano para sua recuperação e regeneração
A luta contra o garimpo ilegal é complexa e requer uma ação contínua e coordenada entre diversas agências governamentais e organizações não governamentais, além de uma conscientização pública sobre os efeitos devastadores dessa prática ilegal.