O texto de hoje é uma crônica do escritor Paulo Tarso Barros que encontrei no meio de alguns arquivos, ainda guardados nos já superados CDs de dados. É um texto que tem pelo menos uns 15 anos, mas guarda muito de mim, justamente neste 2024, quando completo 30 anos dedicados ao jornalismo. Vale a pena a leitura.
“Uma noite nos reunimos na residência do Fernando Canto, que comemorava seus cinquenta e dois anos. A casa estava cheia de artistas e intelectuais. Eu era um dos poucos sem essas prerrogativas tão ambicionadas em nosso tempo, mas não me fiz de besta: arrumei lugar perto de um seleto grupo. Quando Fernando fez cinquenta anos eu publiquei um artigo por julgar a data importante: meio século é um bom tempo para se analisar um currículo, e nós devemos aplaudir e estimular os talentos. Nosso poeta, compositor, contista e sociólogo merece as louvações pelos seus trabalhos. Afinal, nós só temos um Fernando Canto, autor de sete livros, centenas de canções e que há trinta anos é integrante do Grupo Pilão: um projeto que deu certo, pois registra a nossa cultura de forma tão poética e musical. Pois bem. Eu estava ao lado do professor Orivaldo Azevedo, irmão do Meré e do Maneca; ao lado de Lolito do Bandolim, Manoel Sobral e Juvenal Canto. Depois chegaram o maestro Manoel Cordeiro e Renivaldo Costa – e é sobre ele que vou escrever um pouquinho. Mas sem citar Fernando Pessoa que disse que “o poeta é um fingidor”. Então leia até o final esta crônica.
Eu o conheci em 1994. Foi apresentado a mim pelo Leão Zagury que o encontrara no Ieta. Desde então nos tornamos amigos. Para quem não sabe, quando Renivaldo concluiu o curso de magistério, eu fui seu padrinho. Participei da cerimônia de paletó e tudo. E com muita alegria e orgulho. Era o surgimento do jovem professor que logo se tornaria jornalista e autor de muitas crônicas, contos e poemas. E algumas polêmicas.
Desde o primeiro encontro descobri que o sujeito é muito inteligente, trazia algo diferente, uma invejável capacidade de percepção. Depois que começou a trabalhar em jornal pegou gosto pela função e nunca mais abandonou os meios de comunicação. Não fica desempregado, pois é competente, bem informado e tem a capacidade de se inteirar de um assunto em pouco tempo, o que já é uma vantagem e tanto para quem trabalha na imprensa. Ao contrário de mim, que sempre sonhei (só sonhei) em ser jornalista – fui até dono de um jornalzinho de efêmera existência – mas nunca consegui atuar de forma profissional nos meios de comunicação. Não levo muito jeito. O máximo que consigo é publicar algum artigo ou crônica esporadicamente. Talvez ninguém se interesse muito pelo que eu escreva – o que não é novidade, pois o brasileiro, via de regra, não gosta ou não se interessa por leitura: todo mundo quer mais é se dar bem na vida. Mas sou persistente e vivo usando a Internet. E alguns leitores me acham no mundo virtual.
Renivaldo parece que aprendeu as lições de Nelson Rodrigues, o grande dramaturgo e jornalista, que vivia de escrever. Escrevia todo dia e, nas suas muitas ausências por causa da úlcera e da tuberculose, os editores aproveitavam seus textos antigos e a sua coluna saía normalmente. Eu redescobri Nelson Rodrigues por causa do Renivaldo Costa. E se você é também leitor do Nelson vai ter mais facilidade de entender os seus truques – eu falei truques, ou métodos, como queiram entender.
Eu lhe disse que não tinha mais como o defender da ira das muitas mulheres que reclamam de sua personalidade “machista”. Vez por outra, quando sabem que somos amigos, elas dizem o diabo do jornalista. Ora, Renivaldo nunca foi machista, pois “estudou” na escola do Nelson e do Vinícius de Moraes. O machismo dele é uma balela, uma estratégia de marketing (eu nem devia estar escrevendo isto, mas confiado em sua amizade e sei que ele não vai ficar zangado comigo, pois eu não cogito deixar de ser seu amigo: prefiro amigos inteligentes, como diz o poeta Obdias Araújo). Renivaldo riu, não disse nada, pois não tinha o que dizer, nem justificar. Mas de que adianta agora eu publicar isto se o estrago está feito? Conheço mulheres até de certa inteligência que o detestam. Não o assistem no vídeo nem lêem seus textos. Estão enganadas. Perdem bons textos, comentários pitorescos, frases aparentemente canalhas, mas bem feitas. Nada de mediocridade. Ele não é nenhum rato de biblioteca, nenhum intelectual vaidoso (se o fosse nem seria meu amigo), mas sabe escolher bons livros e bons autores. E mais: tira proveito do que lê – fato raro hoje em dia. Quase todo mundo tem uma desculpa para não ler: falta de tempo, falta de livros, vista cansada, letras pequenas, textos chatos ou ininteligíveis. Ora, isso não deve ser pretexto. É melhor dizer que as publicações são caras, que não se gosta de ler – por que mentir? Tem gente que diz: eu adoro ler mas me falta tempo. Eu duvido se alguém que ame deixe de ver o seu amor por falta de tempo.
Renivaldo, como eu disse antes, também conhece a vida e a visão de mundo de Vinícius de Moarais, o poetinha que o presidente Figueiredo, numa de suas frases grosseiras, chamou de vagabundo. Ninguém foi mais namorador do que Vinícius, que teve várias mulheres. Quando se apaixonava, revirava mundos e fundos para conquistar a bem-amada. E ele gostava mesmo era de namorar e casar – segundo confidenciou Toquinho – e sabia como seduzir uma mulher. Não era machista: talvez tivesse até alma feminina como tantos afirmam também sobre Chico Buarque (se é que alma tem sexo e, pelo que eu saiba, outra referência sua). Se fosse um machista não teria se casado, várias vezes, e escrito tantos poemas e canções de amor tão populares. Já o Nelson, que teve a vida esmiuçada pelo jornalista e escritor Ruy Castro (autor de O Anjo Pornográfico), era o camarada mais caseiro, mais careta, daqueles de entregar o salário para a esposa e só pedir o dinheiro do cigarro e do transporte – e que vivia enfurnado dentro das redações martelando freneticamente uma máquina de escrever. Mas o Nelson ganhou fama de machista e aquelas suas peças ajudaram a criar o mito de que ele era pornográfico: nada mais falso, pois Nelson era incapaz de soltar um palavrão, uma obscenidade. É que temos o hábito de confundir o autor com a obra, e vice-versa, o que nem sempre produz uma avaliação correta. Tenho um bom exemplo disso na minha vida: as pessoas que não me conhecem pensam que eu odeio dona Maria Cabral, minha querida e adorada sogra: nada mais injusto. Só porque escrevi um folheto de cordel intitulado Sogra na Vida da Gente, que é a minha produção mais indigna, mas simplesmente uma ficção fajuta, já recebi muitas esculhambações.
Cansei de explicar que aquilo foi uma brincadeira de mau gosto, um texto que eu fiz para me divertir, nunca com a intenção de ofender a minha sogra (mãe de minha mulher, avó das minhas duas filhas) ou as boas sogras alheias (afinal, elas existem e são a maioria). Pena que eu esteja proibido, pela minha mulher, de publicar a verdadeira história da minha sogra. Somente cópias produzidas em impressoras de computador desse cordel circularam entre os familiares e alguns amigos, embora não tenha nada de ofensivo, mas seja uma coletânea engraçada com os fatos (e fotos) mais pitorescos da vida de minha sogra – que não me perdoaria se eu cometesse essa asneira. E Deus me livre de arranjar encrenca com a minha sogra, que me defende quando existe alguma briga na família.
Mas voltemos ao Renivaldo, cuja fama (falsa, eu afirmo) de machista está na mente de muitas mulheres, principalmente por que ele tem grande exposição no vídeo e as pessoas se deixam influenciar bastante pelo que é mostrado na TV (são muitos os casos de atores agredidos quando representam algum papel de vilão numa novela). Eu sei que este comentário não vai ajudá-lo (nem ele precisa nem me pediu ajuda), não pediu que eu escrevesse e nem sei qual vai ser a sua reação. Mas eu vou repetir: meu amigo não é machista: ele é igual a todos nós, só que exagera um pouquinho até para não ser tão politicamente correto, o que já é capaz de tornar qualquer pessoa muito chata. Não me esqueço de certa vez, ao entrevistar a escritora feminista Rose Mary Muraro, no SBT. Ao final da entrevista ele sacou uma de suas frases mais cretinas: “O melhor movimento feminista é o movimento dos quadris”. Mas já era tarde para uma reação da entrevistada: os microfones e câmeras já estavam sendo desligados. Ora, só Renivaldo Costa teria coragem de dizer isso a alguém como Rose Muraro numa entrevista séria. Mas eu não acredito que ele seja machista. E você, leitora, depois de ler esta crônica, qual é a sua opinião?”
3 respostas
A minha modesta opinião é que esse texto é perfeito! E o nosso amigo Renivaldo Costa não é machista. Quem o conhece sabe muito bem disso. Ele é apenas um brincalhão, irreverente e genial poeta.
A tua bondade e como bom domador das palavras , tornam as pessoas bondosas nas valaiações.
A tua bondade e como bom domador das palavras , tornam as pessoas bondosas nas avaliações.
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