O petróleo roxo da Amazônia – por João Capiberibe

O açaí já foi quase veneno! Sim, cresci ouvindo falar que comer manga e tomar açaí era morte certa. Ingerir bebida alcoólica depois de tomar açaí, nem pensar!
 
E tem mais: o açaí causava, (ou ainda causa?) acidez e má digestão e também deixava, (ou ainda deixa?) a boca roxa. Pense numa desqualificação sistemática! Ai daquele que saísse em defesa do açaí! Quem ousasse seria execrado como atrasado, contra o progresso.
 
Naqueles anos pretéritos o vinho de açaí, hoje chamado de polpa, amassado a mão, tornou-se popular na periferia de Macapá, porém, por ser comida de pobre, enfrentou forte resistência pra entrar na classe média, que por puro preconceito, disseminou todo tipo de fake news para evitar seu consumo. Mas não teve jeito, ao que pese o preconceito, o açaí venceu! Tornou-se global, quem diria!
 
Ignorando o açaí e outras tantas espécies da nossa biodiversidade, danaram-se a introduzir coisas estranhas em nosso meio ambiente, fazendo do Amapá um cemitério de experiências econômicas fracassadas.
 
No cerrado, plantaram milhares de hectares de  pinus, gemelina e acacia mangium, deu errado. Também no cerrado, cubriram uma extensa área com dendê, o que aconteceu? Nada! Deu errado.
 
A última iniciativa “redentora”, cantada em prosa e verso por nossa elite política – diga-se de passagem, craque em inventar soluções milagrosas – consistia em queimar nossa floresta pra fazer carvão pra produzir ferro gusa. Uma insanidade que só não foi adiante graças a consciência ambiental do povo do Amapá, que com muita luta, impediu a loucura.
 
O açaí faz a roda da fortuna girar, já ultrapassou a participação da pecuária na economia da região. O petróleo roxo da Amazônia movimenta hoje mais de dois bilhões de dólares por ano, e pasmem, no mercado global vai além dos vinte bilhões, ou seja, lá fora eles abocanham 90% da riqueza produzida pelo açaí.

Como se explica essa diferença abissal? Simples, seguimos o velho modelo colonial exportador de matéria prima barata, mandamos polpa de açaí (commodities), lá eles transformam em produto final e vendem seus derivados pelos olhos da cara para o mundo todo, inclusive aqui pra nós na Amazônia. Isto é de fácil comprovação, entre no google e digite Açaí 600, depois me conte o resultado.  

Por: João Capiberibe – Ex-governador, ex-senador, ativista pelo desenvolvimento humano e sustentável da Amazônia.

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