Importunação Sexual: o perigo não está apenas nos ônibus

Políticas públicas vigoram, mas o Estado brasileiro precisa expandir e melhorar não somente a rede de atendimento às vítimas, mas também as estratégias de enfrentamento aos criminosos. E não apenas contra a importunadores sexuais.
Campanhas feitas pelas próprias mulheres ajudam a coibir o crime. Foto: Dario Oliveira/Estadão
Campanhas feitas pelas próprias mulheres ajudam a coibir o crime. Foto: Dario Oliveira/Estadão

Milhões de mulheres brasileiras têm apenas o transporte coletivo como condução para inúmeras finalidades cotidianas, como ir e voltar do trabalho, visitar a família, ir à escola ou à universidade ou ir participar de alguma atividade de lazer. Porém, um destino essencial à vida da mulher continua distante em relação à forma criminosa por parte de alguns homens: o do RESPEITO.

Em todo o Brasil, a importunação sexual contra a mulher, que vem sendo mais frequente do que a sociedade imagina, apesar de ser considerada pela legislação apenas como de médio potencial ofensivo, é um crime grave, inclusive à saúde mental da pessoa.

Os casos no transporte público são o que mais se evidencia na imprensa e na sociedade, mas os criminosos também agem em outros espaços, sejam públicos ou privados. As mulheres estão à mercê de criminosos em escolas, faculdade, no ambiente de trabalho, em restaurantes, academias, baladas ou até mesmo na rua.

A prática abusiva foi adicionada ao Código Penal brasileiro, em 24 de setembro de 2018, através da Lei Contra a Importunação Sexual, de nº 13.718, onde o Art. 215-A esclarece: “este crime é caracterizado por realizar ato libidinoso na presença de alguém, sem o seu consentimento, com o objetivo de satisfazer a lascívia própria ou de terceiro.”

A lei ainda ressalva que o crime é inafiançável com punição de um a cinco anos. Importante salientar que a mesma lei, no Art. 217-A, dispõe que a importunação sexual contra pessoas menores de 14 anos e incapazes se torna crime de estupro, pois a legislação entende que estas pessoas não têm discernimento completo sobre o contexto sexual.

A lascívia a que se refere a lei é quando um indivíduo possui um comportamento sexual despudorado, inconsequente e sem controle, o que pode causar danos irreparáveis à vítima. É o prazer do criminoso como prioridade, sem levar em consideração os sentimentos e as vontades alheias.

DIFERENÇAS ENTRE IMPORTUNAÇÃO E ASSÉDIO SEXUAL

Imagem: Reprodução/Senado
Imagem: Reprodução/Senado

É importante fazer uma distinção entre importunação sexual e assédio sexual. Assim como a importunação não acontece apenas no transporte coletivo, o assédio é um crime que não ocorre somente no ambiente de trabalho, embora a legislação brasileira defina o crime de assédio sexual principalmente no contexto de uma relação hierárquica no trabalho.

Por exemplo, casos de assédio sexual podem ocorrer em contextos educacionais, como entre professores e alunos, na área da saúde, entre profissionais e pacientes, e até em contextos religiosos, entre líderes espirituais e fiéis. O importante é que há um abuso da posição de autoridade ou influência para obter favorecimento sexual.

No Brasil, o assédio sexual, assim como a importunação sexual, é crime e está definido no artigo 216-A do Código Penal. A lei prevê pena de detenção de um a dois anos para quem constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, aproveitando-se de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Recentemente, foram promulgadas leis para reforçar o combate e a prevenção ao assédio sexual:

  • Lei nº 14.540, de 3 de abril de 2023: Institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal
  • Lei nº 14.457 de 2022: Reforça as medidas de combate e prevenção ao assédio sexual no ambiente de trabalho

No Brasil, as denúncias de assédio moral e sexual têm aumentado significativamente. De acordo com dados do Ministério Público do Trabalho, de janeiro a julho de 2023, foram recebidas 8.458 denúncias em todo o país, quase igualando o total de denúncias de 2022. Apenas de assédio sexual, foram 831 denúnciasno mesmo período, mais que o dobro do ano anterior

No estado do Amapá, a situação também é preocupante. Um estudo do IBGE revelou que 18,2% dos estudantes de 13 a 17 anos relataram ter sofrido violência sexual. Em termos de casos registrados, houve um aumento de 47% nos casos de assédio sexual de 2021 para 2022

NÚMEROS ALERTAM PARA MELHOR ATENDER AS VÍTIMAS

Policiais rodoviários federais também realizam campanhas de conscientização contra a importunação sexual. Foto: Reprodução PRF
Policiais rodoviários federais também realizam campanhas de conscientização contra a importunação sexual. Foto: Reprodução PRF

O Brasil tem uma média de 13,6 novos casos de importunação sexual por dia levados à Justiça, segundo dados compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No total, foram 2.886 novos processos pelo crime entre janeiro e julho de 2022. As denúncias aumentaram 158% em janeiro de 2023, na comparação com janeiro de 2022. Uma pesquisa encomendada pela L’Oréal Paris revelou que 47% das mulheres em 15 países sentem medo ao sair na rua devido à importunação sexual. Essa preocupação supera o medo de outros crimes sexuais.

No Amapá, os registros de importunação sexual, durante o ano de 2019, mostraram que 86 casos foram catalogados, sendo que 58 deles ocorreram entre janeiro e setembro. Já em 2020, houve 70 casos apenas nos primeiros 9 meses. Entre 2019 e 2020, houve um aumento de 20%, considerado alto pela Polícia Civil do estado. Além disso, houve um aumento de 20% nas ocorrências de importunação sexual registradas pela Polícia Civil do Amapá entre 2019 e 2020.

Um levantamento feito pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Inteligência e Pesquisa em Consultoria Estratégica (IPEC), com apoio da Uber, concluiu que enquanto 45% das mulheres dizem que já tiveram o corpo tocado sem seu consentimento em local público, apenas 5% dos homens admitem já ter feito isso.

Ainda, 32% das mulheres afirmam ter passado por situação de importunação/assédio sexual no transporte público, mas nenhum homem reconhece já haver praticado esse tipo de violência. A pesquisa revelou também que 31% das mulheres declaram já haver sofrido tentativa ou abuso sexual. Até o mês de agosto de 2021, foram registrados 7.143 casos de importunação sexual em 10 estados brasileiros e no Distrito Federal.

NÃO É NÃO!

Imagem: Reprodução.
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O psicólogo Alexandre Coimbra, em declaração ao G1, afirma que a maioria dos homens no Brasil não sabe o que é importunação sexual.

Eles não querem saber e têm raiva de que é uma lei, porque isso fere o princípio mais básico do machismo estrutural, que é ele possuir o corpo do outro“.

Segundo ainda analisou Coimbra, “a lógica dele é de dominação, ou seja, ‘eu preciso dominar o outro, mesmo que ele, a princípio, me diga que não’. O ‘não’ é escutado por esse homem que sustenta essa lógica machista de se sentir mais dono do mundo e entre as propriedades estão os corpos das mulheres“.

Para as mulheres, ser vista como uma pessoa inferior causa sensações de incompetência e desamparo, falta de autoconfiança e perda de referência em si mesma, o que leva à aceitação plena do que o outro impõe. Além disso, situações de assédio são verdadeiros gatilhos para estresse, mudando o comportamento da pessoa, diminuindo sua produtividade e criando traumas para o resto da vida.

UNIÃO E PROTEÇÃO

Para a Revista Consultor Jurídico, as especialistas em Direito Penal Andrinny Almeida e Bianca Fernandes, atestam que a importunação sexual é um crime que vem ganhando destaque na sociedade brasileira em razão do crescente número de ocorrências. “A edição da Lei nº 13.718/2018 foi de extrema importância por criminalizar tal conduta, transformando esses atos em crimes de médio potencial ofensivo“.

As especialistas ainda informaram que antes da referida lei, os atos libidinosos eram considerados uma apenas contravenção penal, ou seja, crime de menor potencial ofensivo. A punição era apenas o pagamento de uma multa. além disso eram punidos apenas com a pena de multa.

Raquel Gallinati, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, mencionou em uma entrevista à emissora de TV CNN que “as denúncias de crimes de importunação sexual no país têm aumentado, mas ainda são muito tímidas e subnotificadas”.

A delegada Jamila Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) de São Paulo, explicou, na Comissão de Defesa e Direitos das Mulheres da Assembleia Legislativa de São Paulo, que de acordo com o Instituto Patrícia Galvão, o Instituto Liberta e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “a violência contra a mulher é subnotificada pelo menos quatro vezes“. O aumento nos números dos registros de boletins de ocorrência e solicitações de medidas protetivas, significam “que mais mulheres estão procurando a delegacia, estão registrando o boletim de ocorrência, e com isso eu consigo criar ferramentas para protegê-las“.

CONSEQUÊNCIAS

Imagem: Reprodução.
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Os efeitos psicológicos após a importunação sexual podem ser profundamente traumáticos. As vítimas frequentemente enfrentam:

  1. Depressão: A importunação sexual pode levar a um estado de tristeza profunda, perda de interesse ou prazer em atividades
  2. Ansiedade: As vítimas podem experimentar sentimentos de preocupação, medo e inquietação
  3. Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT): Este é um transtorno de ansiedade severo que pode se desenvolver após a exposição a qualquer evento que resulte em trauma psicológico
  4. Sentimentos de vergonha e culpa: As vítimas podem se culpar pelo ocorrido ou sentir vergonha por terem sido alvo de tal comportamento
  5. Problemas de saúde física: O estresse resultante da importunação sexual pode causar problemas de saúde física, incluindo dores de cabeça, dores musculares e distúrbios do sono

SOLUÇÕES

Os psicólogos recomendam várias estratégias para ajudar as vítimas de

  1. Conscientização sobre mitos de estupro: É importante desmistificar os equívocos comuns sobre a violência sexual
  2. Estabelecimento de rapport: Criar um ambiente seguro e de confiança é crucial para que a vítima se sinta confortável para compartilhar sua experiência
  3. Gravação do depoimento: Isso pode ajudar a preservar a prova testemunhal
  4. Uso de relato livre e perguntas abertas: Isso permite que a vítima compartilhe sua experiência em seus próprios termos, o que pode ser terapêutico e também útil para a coleta de informações
  5. Procure não ficar sozinha: Em eventos de grande porte, é sempre melhor estar acompanhada
  6. Procure ajuda profissional: Psicólogos e terapeutas podem fornecer apoio emocional e ajudar a vítima a lidar com o trauma

POLÍTICAS PÚBLICAS

Imagem: Reprodução.
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Recentemente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.540, em 3 de abril de 2023, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual na administração pública. Esta lei visa a capacitação de agentes públicos para criar medidas contra o assédio, além da realização de campanhas educativas, divulgação de canais acessíveis para denúncias e criação de procedimentos internos para lidar com tais casos

Além disso, foi sancionada uma lei que determina o funcionamento 24 horas de todas as Delegacias da Mulher, reforçando o suporte e proteção às vítimas de violência sexual. As medidas foram recebidas positivamente por membros do governo e representam um avanço significativo no combate à importunação sexual no Brasil.

No último dia 04 de abril, a Companhia de Trânsito e Transporte de Macapá (Ctmac), lançou uma campanha intitulada ‘Tocou em mim, passou do ponto’, para coibir a importunação sexual às mulheres no interior dos ônibus da capital. “Queremos garantir que as mulheres sejam respeitadas, tanto dentro como fora do coletivo”, pontuou Tádila Beatrz, diretora de ações do Departamento de Educação de Trânsito da CTMac.

A diretora disse ainda que a ação vai acontecer periodicamente ao longo do ano. E completou afirmando que “é muito importante que as pessoas se conscientizem para que as denuncias ocorram e o respeito às mulheres prevaleça”. As denúncias contra a importunação sexual, feitas através dos números:

  • Disque 190 da Polícia Militar;
  • Disque 180 da Central de Atendimento à Mulher;
  • Disque denúncia CTMac 98100-0799.

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