Celebrada por Ziraldo, um de seus principais cultores (e não me acusem aqui por palavras que resvalam, muito de leve, em sua denominação mais genérica) ela já teve uma revista inteira dedicada à sua homenagem. Alçou discretos patamares de musa quando Drummond (quem diria, o tímido e franzino Drummond) escreveu um poema ao vê-la passar pela rua. Aos pés de seu monumento erigiu-se a glória de uma nação. A identidade de um povo, o carro-chefe de uma indústria. Vemos sua cara em jornais, postais, carnavais. Um domingo não é domingo sem sua íntima presença. A praia, ah, nem existe praia sem sua saudável ocorrência.
Senhoras e senhores, eu falo dela. Dela que, de tão influente, já estendeu seus domínios às mais altas esferas da vida pública. Não há uma só manifestação em que ela não esteja ali, insuflando multidões com sua palidez robusta, difundindo ideais de uma sociedade para quem o mundo virou as costas, e que agora repete o gesto para que todos saibam com quem é que estão se metendo. Senhoras e senhores, sabeis de quem eu falo.
Eu falo dela que também no esporte já deu o ar de sua graça. Nos torneios de tênis, entre uma bola e outra, quando menos esperamos por ela, eis que cruza então a quadra com uma agilidade menina, com uma lepidez de dar inveja a qualquer Pete Sampras. Sim, senhoras e senhores, eu falo dela. Dela e de seu esplendor anatômico. Dela, o apogeu da estética feminina, a deusa da geometria rotunda, o atributo da Vênus Calipígia. Senhoras e senhores, calai-vos, por que eu falo dela: da bunda.
Isso mesmo, caro leitor: a bunda. Ela que hoje, de tanto que abunda, desbunda. Reparam nela enquanto ela caminha, quando ela se põe assim meio imponente, meio impaciente, na fila do banco, na frente do canteiro de obras; veneram-na quando ela se diverte a bailar, com uma malemolência faceira, no topo do carro alegórico; clamam por sua vista na pouca roupa das que ainda têm o pudor de escondê-la. Por que então quando ela descuida, e se curva assim tão distraída, assim tão sem compostura, assim tão debruçada sobre si mesma, riem dela, fazem troça, zombam da sua pequena reentrância, daquele fino traço que anuncia a sua aparência?
Mas, como diria Paulinho Lopez, filósofo iconoclasta do Bar do Abreu, a bunda tornou-se uma coisa ambígua. Ora lúbrica, ora cômica, agrada aos olhos, mas é risível aos instintos. A bunda virou piada morfológica. Daquelas que você ri do começo porque já conhece o final.