“Um bar de homens discretos, onde ninguém aborrece ninguém e cujo maior prazer consiste em falar sem dizer grande coisa”. A frase é de Vinícius de Moraes, numa referência ao Veloso, bar carioca que foi palco de grandes encontros e composições, como Garota de Ipanema, mas bem que poderia ser aplicado a um certo bar amapaense.
O bar deve o seu nome à palavra “barra”. No século XVIII, na França, as tavernas tinham uma barra a todo comprimento do balcão para evitar que os clientes se encostassem demais ou entrassem.
O Bar do Abreu, que fechou suas portas em 2021, durante a Pandemia, mas sobreviveu por quase 40 anos, é um contrassenso desta origem. Lá, os frequentadores mais ilustres não ficavam de fora do balcão, ao contrário, participavam intimamente da história dele. Mais tradicional espaço etílico-cultural do Amapá, como gostava de defini-lo Hélio Pennafort, o Abreu chegou a quase quatro décadas sem “sair de moda”.
Foi o local eleito por nove em cada dez boêmios para se efetuar grandes transações, acordos políticos, ou simplesmente para momentos de lazer e convívio. Para alguns, o Abreu podia ser apenas um ponto de encontro para um bom bate-papo e uma cervejinha gelada. Para outros, uma história de vida baseada na união da família, uma tradição que está na terceira geração.
Por lá passaram várias gerações de jornalistas, intelectuais, boêmios e artistas. Foi no Abreu numa noite perdida na memória que o “entendeólogo” Paulinho “Xiri” bradou a frase de Emílio de Menezes, que é até hoje evocada pelos antigos frequentadores: “Beber é uma necessidade, saber beber é uma ciência, embriagar-se é uma infâmia.”
Mas o Bar do Abreu não era apenas um espaço de reuniões etílicas. Existiam os “abreulistas” que largaram a bebida, mas não largaram o bar. Foi o caso dos jogadores Bira e Baraquinha e do ex-milico Arli, único reacionário num antro de subversivos. Se a França tem seus cafés, a Inglaterra seus pubs e a Itália, suas cantinas, o Amapá teve o Bar do Abreu. Na opinião do sociólogo Fernando Canto, que foi contumaz frequentador do local, o Abreu foi o que mais se aproxima da ideia conceitual de um bar, com as relações quase familiares entre fregueses, proprietários e garçonetes, a ideia do fiado, de proximidade e do “balcão”, onde todos se conhecem e se encontram para conversar.
Quem o frequentava geralmente não reclamava da limpeza, do banheiro ou da presteza da garçonete; ao contrário, aproveitava para fazer piada. O Abreu era, também, responsável pela sobrevivência da “baixa gastronomia” – aqueles petiscos banidos dos grandes restaurantes –, passada de geração para geração. A comida de Abreu tinha fartura, preço baixo e sabor melhor do que a apresentação.
O Abreu era, enfim, nas palavras de um de seus frequentadores, “um lugar de muita história. Onde não há cor, porque é colorido por natureza. Onde não existe nacionalidade, mas todos falam a mesma língua. Onde não tem preconceito, religião ou profissão. Onde todos falam de tudo e de todos.
O Abreu é um lugar onde se faz amizades e se paquera. O Abreu é cultura e cumplicidade. Um lugar que as pessoas frequentam para sair da rotina”.
Uma resposta
Um bar onde era tolerado até gente de direita.